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domingo, maio 29

Noite fugaz

 Um bocejar de suspiro, pedaço de mulher, solta e fria, presa no desejo de prazer.
 Roupas rasgadas, no chão de um qualquer quarto de hotel, a cama amarrotada por dois corpos desconhecidos, cúmplices de algo que o momento desconhece. Dois copos tombados sobre a mesa, garrafa vazia de sentimentos escondidos, uma rosa de conquista, esquecida sobre o chão.
 Corpos nus, tantas vezes entregues ao prazer, de uma noite, de um momento, repetido com a banalidade dos seres. O suor que ilumina a pele cansada, que desperta com o seu odor a chama e o desejo de mais prazer. Gemidos que ensurdecem a visão e alimentam a alma, antídoto de uma monotonia de movimentos. O saciar do corpo, consumido no breve trago da loucura.
 Quarto de desejo, perverso, isento de culpas jamais partilhadas por aqueles dois corpos. A beleza imaculada, das suas paredes brancas, dos seus quadros enormes, outrora apreciados em momentos de prazer, são agora despidos pelo calor de uma noite fugaz.
 Lá fora, a cidade dorme, a neblina cobre os passeios desertos, iluminados pela trémula luz de um candeeiro solitário. Naquele qualquer quarto de hotel, dois corpos consomem-se, não esperando partilhar uma outra qualquer noite.

quinta-feira, maio 26

Pássaro Livre

Como um pássaro preso a ti, a mim, ao sentimento.
 Fizeste de mim pássaro de sonhos e ideias, deste-me asas para voar até ti, em ti, prendendo-me no teu olhar, no teu sorriso angelical. Tomaste conta de mim, quando o vento não me deixava voar, deste-me abrigo quando a chuva me molhava as penas. Sonhos alimentados pelo desejo de ti, horizontes abertos no teu caminho que fizeste meu.
 Hoje, abres mão de mim, tiras-me as amarras, a que me habituei, onde aprendi a viver e ser feliz. Apagas-me os sonhos com a luz do Sol que me obrigas a ver, a olhar de frente, a respirar o ar puro que me agonia, que me assusta.
 Deste-me asas para poder ser livre no nosso mundo, e quando eu tento viver nele, fechas-me as portas de nós, abrindo-me o mundo lá fora.
 O medo de falhar o voo, de cair ou de não voar sem ti percorre-me o sangue, mas voarei para longe de ti tal como desejas. Talvez pouse num ramo de uma árvore vendo o mundo girar sem mim, talvez me agarre ao primeiro barco que parta do cais e vá por esse mundo fora.
 Não sei para onde ir, sei, apenas, que tenho medo das asas que me deste.

terça-feira, maio 3

Desabafos

 Hoje um amigo perguntou-me se ainda sentia alguma coisa por uma pessoa do passado, respondi-lhe sem hesitar que não, "passado é passado".
 Não foi preciso muito para ver o que me estava a correr na frente dos olhos, aquilo que o coração não esconde nem sente, apenas guarda, para em algum momento nos atravessar na nossa frente como um enorme rochedo onde é impossível escalar ou transpor de uma outra forma, e então fica-se parado, sem reacção a ver o tempo passar, a ver o que não queremos e a sentir o que já parecia ter passado.
 Se já alguma vez amei? Sim, amei com todo o significado da palavra, com tudo o que ela possa incluir, alegria, sofrimento, paixão, dor, felicidade e infelicidade, juras de amor cumpridas, outras por cumprir e outras que nunca irão conhecer a luz do dia. Por tudo isto eu passei, e de nenhuma delas me arrependo de ter vivido ou sentido.
 Se algum dia voltarei a amar? Dizem que só se ama uma vez na vida! Eu já amei uma vez, mas não sei quão verdadeira é esta afirmação. Não fecho o meu coração ao amor, mas não continuará aberto!
 De tantas juras que fiz, jurei não amar mais ninguém depois de ti. Juras de amor cumpridas, outras por cumprir e outras que não irão conhecer a luz do dia...