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segunda-feira, agosto 29

Fiz-me no silêncio

 Na noite escura, no beijo perdido, no teu toque fugido, assim eu me fiz, no silêncio de nós.
 As palavras que não dissemos fizeram-me crescer, os momentos partilhados no calor de uma noite de amor não terminada, a viagem sem regresso, o adeus que nunca demos, fez-me ser quem tu não conheces hoje.
Na manhã em que acordei ao teu lado, em que fiquei a olhar o teu dormir, a sonhar com o teu sorriso, a desejar-te ainda mais do que quando te tive. Naquele momento, mudou em mim a forma como te via, percebi a pessoa que eras, mesmo antes de te conhecer.
De todos os momentos de silêncio que vivemos, recordo a tarde em que te conheci, em que o meu coração silenciou a alma, parou de bater para que pudesse sentir o teu sorriso. Sem o som das palavras, tão pouco o eco dos sorrisos, foi no vazio do silêncio que encontrei a tua beleza, que encontrei quem eu sou.
 Hoje, revivo cada momento de solidão, recordando as tuas palavras, o teu toque fugido no tempo, o teu beijo perdido em mim, com a certeza de que o silêncio te trará até mim um dia.

terça-feira, agosto 23

Amor pequenino

 Não sei quanto tempo esperei por este momento, talvez muitos muitos dias, mas, finalmente, posso dizer que sou um homem feliz.
 Durante este ultimo ano, passei os meus dias e ver a sua figura, a sonhar com ela, a sorrir para ela, mas sempre pensei que não fosse mais do que um miúdo que ela conhecia. Todos os momentos, que partilhava algo com ela, poderiam parecer-lhe banais, mas para mim sempre foram os verdadeiros momentos de felicidade que o meu dia me trazia.
 Do que melhor me lembro dela é o seu cabelo, sempre despenteado, solto ao vento, com aquele travessão cor-de-rosa mesmo ao lado do risco torto e desorganizado. Não sei porquê, mas fazia-me lembrar uma personagem de desenhos animados, daquelas irrequietas e sempre na brincadeira.
 Ela chegava perto de mim e eu limitava-me a olhar pro chão, sorria esperando que não me visse corado e desejava que me segurasse pelo braço e me levasse nas suas brincadeiras, mas nunca aconteceu, nunca até hoje.
 Estava mais uma bela tarde de Verão, como tantas outras, o parque estava cheio e todos tinham com quem brincar, eu limitava-me a subir as pequenas escadas de madeira e descer pelo escorrega, repetindo isto vezes sem conta, até o cansaço me vencer ou a desilusão de estar sozinho, me acompanhar até a minha mãe. Numa dessas minhas esperas, para descer no escorrega verde que me levaria até a areia, ela aproximou-se de mim, fiquei sem saber que fazer, tantas vezes me vira ali e não me tinha ligado, porquê naquele momento se aproximara ao ponto de ficar encostada a mim? Mais uma vez, olhei para o chão, corei e sorri para dentro de mim. Como eu gostava que ela me dissesse um simples olá.
 Senti os seus dedos pequenos apertarem-me o braço, puxando-me para ela. O meu coração parou, como um interruptor que desliga a luz, sem saber o que fazer, o que dizer. Os meus olhos levantaram-se e olhei para ela, caramba, como era mesmo linda, aquela rapariga fazia-me levitar sem sair do chão. Sem trocar uma única palavra, fomos para longe da confusão, para um canto do parque, onde nos sentamos na areia e brincamos, disfarçadamente, com a areia. As minhas mãos mexiam na areia, tentavam criar um castelo ou algo do género, mas o meu pensamento e o meu coração jamais sabiam o que estavam a fazer, sentia-me apenas confuso e feliz.
 Trocamos alguns sorrisos e poucas palavras, pois a minha timidez não me deixou ser como eu queria ser, e como o que é bom acaba depressa, o fim da tarde chegou e eu já ouvia a minha mãe chamar-me. Já de pé, disse-lhe por entre um murmúrio que tinha de me ir embora. Lembro-me apenas de ela se agarrar ao meu pescoço e me dar um beijo na boca. Virei-me e corri o mais que pude para junto da minha mãe, não via por onde ia, pois tinha a cabeça a andar à roda com tanta felicidade, agarrei-me a ela e senti uma sensação de borboletas a esvoaçar no meu estômago.
 Já é noite e não consigo dormir, continuo sem saber o que senti naquele momento, mas mesmo, e com apenas cinco anos, posso jurar ao mundo que a amo, e que daqui por vinte anos a irei continuar a amar.

sábado, agosto 20

Lua sem luar

 Perdida na noite, sem canto ou recanto onde esconder suas lágrimas, perdida na noite onde tudo fica claro no escuro sem luz.
 Outrora tua, conhecedora de ti e de todos os teus medos, orgulhosa de todos os teus defeitos, hoje partiu, deixando a tua alma na companhia do corpo perdido, na imensidão, na solidão do mundo repleto de gente. Escondida por entre os sonhos de outros que a desejam, por entre a magia de um dia feio, que o inverno trouxe do norte ao sabor do vento gelado de morte sem sorte, sem azar que pudesse alegrar o seu final trágico e desejado.
 Abandonada a nascença de um ser moribundo, renegado do fundo do ser de alguém, de entranhas escuras e sombrias, tão claras como o sangue que pensou correr-lhe nas veias inexistentes. Brindou a sorte do abandono, desejando não ser esse ser sem ser, felicitando a sorte que nunca teve, mesmo na nascença.
 Hoje, conheces o caminho que não mais verás, irás pela aventura de não saberes onde ou quando, quem ou se, serás apenas tu e os teus medos, os teus defeitos e a tua solidão perdida na noite.
 Sem lua ou luar, para amar, encontrarás o brilho da luz no teu doce beijar do mar.

quinta-feira, agosto 18

Tatuagem

 Em mim, falta apenas, a tatuagem do teu rosto no meu corpo.
 Na alma trago o teu sorriso, feliz e doce, tatuado por ti ao longo de sonhos mágicos que vivi na tua presença. No pensamento tenho a tua imagem, que vivo e recordo sempre que estás longe de mim. Resta-me tatuar o meu corpo com o corpo teu, porém, não haverá artista capaz de te desenhar na perfeição que tens para mim, na beleza que conheço em ti. O teu jeito de ser, jamais poderá ser reproduzido com tintas ou pincéis, o teu sorriso será apenas a névoa que ofusca a inspiração de um qualquer pintor.
 Pensei marcar em mim o que de melhor tens, mas é tão difícil escolher apenas um pequeno pedaço da imensidão do teu ser, e assim vou esperando, um dia, poder sentir os teus lábios, marcarem os meus, percorrerem o meu corpo, como se fossem pincéis de cetim tatuando o meu ser.

segunda-feira, agosto 15

Banco de jardim

 A inocência dos nossos olhares trocados neste mesmo banco de jardim, que fazíamos questão de visitar sempre que a tempestade se abatia sobre o nosso mundo, ainda te lembras minha querida?
 Parece que foi ontem, que estive aqui contigo, de mão dada a olhar as crianças brincarem na relva, a ver os pássaros caminharem junto ao lago sem medo que o mundo os assustassem. Mas hoje, sento-me aqui, sozinho e sem ti ao meu lado, já sem ti ao meu lado. O tempo, esse malvado de cabelos brancos, chegou mais rápido para ti do que para mim, tornando assim a injustiça do mundo ainda maior do que quando tínhamos vinte anos e desejávamos viver todos os sonhos numa só noite. Com o passar das noites demos conta de que não importa viver todos os sonhos muito rápido, mas que os consigamos viver lentamente com a pessoa que se ama, e nós amamos tanto o ser um do outro.
 Se fechar os olhos, ainda sinto a tua mão trémula na minha, a tua pele macia e gasta pelo tempo apertar os meus dedos cansados. As lágrimas correm-me pela cara, por entre as rugas que tanto gostavas de ver em mim, fruto de uma vida partilhada a dois, marcadas pelos sorrisos, pelas tristezas.
Não preciso de procurar o teu perfume noutra pessoa, trago-o em mim como no primeiro dia em que te conheci, acho que nunca mudou, por mais colónias que tenhas usado em toda a tua vida ficará para sempre o cheiro das rosas que tanto gostavas. Por entre um sorriso recordo, agora, a rosa que trazias naquela tarde de domingo em que te sentaste ao meu lado pela primeira vez. Naquele momento senti que um anjo teria descido dos céus para se sentar ao meu lado, fiquei sem jeito e sem saber o que te dizer, pois todas as palavras trocadas nas nossas longas cartas eram poucas para te mostrar o quanto estava feliz por te ter ali, mas ao mesmo tempo não queria parecer um puto desejoso de te pegar na mão e te levar a passear pelo lago.
 Tudo não passa de recordações hoje, tu não estás aqui para relembrar cada momento nosso, cada discussão sem sentido que tivemos. Dou comigo a lamentar todo o tempo que perdemos com as banalidades da vida, sem aproveitarmos o nosso amor, mas sei que mesmo assim fomos felizes, fomos a única metade que tivemos e desejamos, fomos a única companhia e cumplicidade que partilhamos.
 Sem o teu braço para me amparar e segurar, para me guiar até casa, levanto-me com a ajuda desta bengala trémula e desajeitada que o tempo um dia irá tirar de mim. Percorro o longo caminho para onde não desejo ir, onde sei que não te irei encontrar, onde cada recanto me fará recordar de ti, onde o sonho e o desejo me fazem querer ir para junto de ti.
 Hoje, teria dito muito mais do que aquilo que te disse, teria-te beijado muito mais do que o que beijei. Hoje, não te teria deixado partir sem mim meu amor.

domingo, agosto 7

Suave acordar

 Hoje, acordei contigo no pensamento, na cama fria onde o meu corpo se enregelava tentando enroscar-se no teu.
 Raro é o dia em que não acorde a pensar em ti, em que não sinta o teu perfume, em que a primeira imagem que a mente me trás não seja o teu sorriso, mas hoje foi diferente, a janela aberta, para o mundo, levou-me para uma manhã mágica, onde, tal como hoje, o céu cinzento e carregado ameaçava uma chuva miudinha e quente, não estivéssemos nós em pleno Verão. Nessa manhã, vi-te como nunca te tinha visto antes, apareceste nesse teu jeito de ser, elegante, sorridente, transbordando a luz do teu olhar, um olhar doce e meigo, ensonado.
 O teu sorriso, quase como tímido por ser mais perfeito que o brilho do Sol, realçavam as tuas pequenas sardas, mesmo por baixo dos teus olhos pequeninos, quase que fechados a olhar para mim. Por entre passadas curtas e lentas, que o teu corpo cansado fazia movimentar, aproximaste-te de mim com um "Bom dia" baixinho e alegre. Impossível não sorrir para ti, não desejar segurar-te nos meus braços, abraçar-te num beijo suave e partilhar contigo a felicidade que sentia naquele momento.
 Guardei esse momento durante todo o dia, toda a semana, e com o passar do tempo relembro-o vezes sem conta, esperando um dia acordar e ver esse teu sorriso ao meu lado.
 Hoje fiquei na cama mais tempo que o normal, a imaginar-te, sonhando acordado, rebolando na cama como uma criança que sente ser ali o seu cantinho seguro.
 Caramba, como um momento, talvez banal, nos pode fazer felizes ao longo dos tempos.

Um doce beijinho Sorriso de Anjo.