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segunda-feira, novembro 12

Vida, a Bela Merda



 A porta fechou-se atrás dele com a força de uma tempestade invernosa, os degraus sobravam para as suas passadas apressadas, não fossem as folhas que o Outono trouxera ao chão a desviarem-se e poderia-se acreditar que alguém não passou ali.
 A rua fora feita a sua medida, deserta de sentimentos, repleta de pessoas numa correria sem destino algum, atarefadas com a sua vida olhando de lado para as vidas que se cruzavam no seu caminho, e ele cabisbaixo seguindo rua abaixo sabendo que passaria despercebido mesmo que na sua alma transporta-se o maior dos tesouros.
 Uma pedra branca, pequena e insignificante, parecendo estorvar-lhe o caminho é motivo suficiente para descarregar em si a sua fúria, o seu descontentamento, o seu vazio. Os seus pensamentos levam-no numa conversa que apenas ele conhece, num diálogo que mais parece um monólogo, onde é a personagem principal, o seu melhor conselheiro, o único que contradiz o que os pensamentos querem. Entre passadas desiguais, um chuto na pequena e insignificante pedra, as suas mãos apertam-se dentro dos bolsos dispostas a soltarem-se e esmurrarem a primeira árvore que aparecer, ou até mesmo o próximo parquímetro que não se desvie do seu caminho.
 A noite ameaça uma chuva quase eminente, os paralelos já molhados de uma chuva passageira parecem escorregar-lhe debaixo dos pés, mas nem isso o faz abrandar nos seus pensamentos ou nas suas passadas. Por entre ideias e revoltas, da mente, o seu olhar cruza-se com o sorriso de uma jovem que o avistou ao longe no seu encalço, o coração quase lhe gelou o sangue, por breves momentos sentiu o estômago encolher-se com um nó que lhe subiu até a garganta. Pela sua silhueta e o seu rosto parecia ela, o cabelo com o mesmo corte, a altura bastante semelhante, a postura firme e decidia seria a dela, mas o sorriso, não poderia pertencer a alguém que não lhe quer conhecer os gestos, a alguém que jamais olharia para ele com um sorriso e um gesto de felicidade. Rápido trocou as voltas a sua imagem, tentou visualizar essa rapariga que o estava a passar, a enfeitiçar e levar para outra pessoa que não desejaria mais encontrar. Como que vingança por essa tentativa da mente o iludir, dá um pontapé violento na pedra que o acompanhou desde casa até ao fundo da rua, de salto em salto acaba por cair numa sarjeta por entre um tilintar de desespero como que se agarrando com tudo o que podia e este passeio, a ponta do pé do seu dono. Ele pára em frente a sarjeta tentando descobrir o final de uma insignificante pedra, mas só lhe ocorre a ideia de que deitou fora, num gesto irreflectido, a única companhia que teve esta noite.
 Num amontoar de ideias, de imagens e desejos, que lhe percorrem a alma, recorda-se de querer a pedra pequena e branca de volta, de ter coragem de correr para a rapariga que lhe sorriu, de esquecer a rapariga que não lhe quer conhecer os passos e refazer a sua noite, mas o cansaço, a desilusão e o fim da história apenas o levam a pronunciar as palavras que a boca calou durante tanto tempo:
 Vida, a bela merda.

quinta-feira, outubro 25

O último adeus

 O fim de tarde trouxe a calma de uma noite soalheira, encoberta pelos últimos raios de sol que se confundiam com o tom cinzento das poucas nuvens num céu outrora azul.
 Numa manta, de padrão axadrezada, ela aconchega-o nos seus braços, envolvendo-o com todo o seu carinho e afecto. Suavemente, as mãos deslizam umas nas outras, ele quase sem forças, para sentir o toque que desejou mais que tudo na vida poder sentir, olha o infinito do horizonte, perdido entre as ondas do mar e as gaivotas pousadas na areia branca da praia. Um sorriso, parecendo abraçar o mundo, coloca a lágrima num olhar pertencente a alguém, um olhar de quem nada mais pode oferecer.
 A penumbra da noite arrefece os corpos amados, o denso nevoeiro que se avizinha ao longe no mar ameaça acolher a praia em breves horas, o céu abriu caminho a algumas estrelas que rodeiam a lua brilhante e longínqua. Com a voz tremula sussurra algo a sua amada, um pedido ao alcance de uma pessoa capaz de amar, capaz de perceber e desculpar. Nas poucas forças que lhe restam, carrega sobre os ombros os sonhos que não realizou, um amor que não chegou ao fim, uma vida repleta de vazios preenchidos por uma só pessoa. Os seus passos lentos através da areia apenas são possíveis com a ajuda de uma guerreira na sua vida, alguém incapaz de desistir.
 As ondas desfazem-se mesmo ali, junto a eles, mas apenas a espuma consegue beijar-lhes os pés descalços, provocando um arrepio amenizado pela brisa quente que lhes percorre a pele. Ele perde-se, novamente, no horizonte das estrelas, ela tenta acompanhar esse olhar com a cabeça deitada no seu ombro, numa partilha de segredos silenciosa.
 Ambos sabem que o tempo é apenas uma questão tempo, uma vontade por cumprir, um sorriso por dar, memórias vagas que preenchem o vazio entre o passado e o momento exacto, apenas um amor por terminar.
- Não me deixes partir minha querida, segura-me pelo braço e faz com que o tempo pare aqui. Deixa-me ficar no nosso mundinho.
- Não te deixarei meu bem, por mais que o tempo corra, estarás sempre aqui!
 Os seus lábios brancos e gretados beijam-lhe a testa encoberta pela franja, de um cabelo castanho cor de mel, pedem-lhe desculpa de uma vida que a morte quis roubar, oferecem o nada que apenas consegue dar.

domingo, outubro 7

A sós com a solidão

 Hoje vi pessoas simpáticas a falar com um corpo deserto, de sorriso obrigatório de quem tem o dever, com um olhar que percorria oceanos. Alguém me falou, mas não me viu.
 Estranho este meu mundo de vazios por onde ando, tentando encontrar conforto e carinhos nas pessoas que amo mas que não tenho, esvaziando o ser vezes sem conta ao remexer a alma na procura de algo melhor para oferecer. Em certos momentos penso se seria melhor esperar receber algo sem oferecer nada, mas vejo-me diante da parede branca que nada me diz, encontro o vazio da existência que não desejo, e nesses momentos luto, tento chegar ao outro lado da parede branca, mas por mais que tente sinto os dedos já sem forças de tanto me agarrar ao meu sonho, a realidade que existe apenas num coração estúpido de um amante.
 Ontem, durante uma insónia a que a minha mente já me habituou, dei comigo a proferir estas palavras,"amei no silencio da noite, na esperança que o amanhecer viesse para nos acordar, mas as trevas apoderaram-se do meu sonho", talvez seja assim, talvez haja apenas um sonho, talvez haja um acordar solitário, talvez a vida nos ensine que há momentos certos para algo ter valor, talvez eu só descubra o valor do sonho quando acordar.
 O sol esta manhã pareceu-me estranho e distante, ainda mais distante que o costume, mas todos nós temos os nossos dias de brilhar e de ficar apenas a ver, e acredito que hoje o sol apenas me observou, pairou sobre mim na esperança de uma fraqueza minha, mas por muito que tente não irá conseguir ver. O nó na garganta persegui-me por todos os lados, como uma onda que esbarra sempre na areia da praia desfazendo-se em espuma, sempre presente e forte,dando-me vontade  de seguir para o alto mar e deixar-me estar lá, onde ninguém me via, onde ninguém me ouvia, mas por mais que eu pensasse estar sozinho, sentia a tua presença, a única presença, minha querida solidão.
 Nunca fomos de grandes conversas, sempre respeitei o teu cantinho, ao contrário de ti que me empurras, me machucas e fazes de tudo para me chamar a atenção, mas por cordialidade e respeito dirijo-me a ti por intermédio dos meus pensamentos que tão bem conheces, penso até que conheces melhor os meus pensamentos que a ti mesmo. Longos são os momentos em que partilho contigo os meus pensamentos, sei que por isso deveria ser culpado, por te mostrar algo que tão mal me faz e que tão bem te sabe, mas quando todas as portas se fecham, apenas me restas tu querida solidão.
 Um dia, quem sabe, talvez partilhe contigo algo mais que os pensamentos, de certo irias apreciar a minha pacata vida.

terça-feira, julho 31

Sem titulo...

 A página em branco, faz-me companhia há mais de duas horas, não me apetece escrever nem tão pouco pensar no que escrever.
 Tentei inspirar-me em imagens, em fotos tuas ou recordações nossas, mas não quero dizer-te o que penso, não me apetece falar do que sinto, simplesmente, não me apetece. O titulo será este mesmo, "sem titulo..." pois não sei que nome dar a algo que estou a pronunciar no silêncio.
 Agora que penso nisto, poderia ter feito um texto sobre ti, talvez falando do teu olhar, do teu sorriso ou do teu jeito de ser, mas ao mesmo tempo concluo que já falei tanto sobre ti, que já te disse o que sinto ou penso e nada mudou. Acho que já não adianta embelezar a tristeza ou tentar afastar a saudade com as palavras, de pouco me servem quando nada fazem, seria o mesmo que a minha paixão por ti, tenho-a e de nada me serve, talvez o facto de me trazer alguma dor nos momentos mais difíceis e em que sinto a tua falta seja mesmo a única coisa que retire desta paixão. Caramba, que contraste mais bizarro, um sentimento tão belo que de beleza pouco me dá.
 "Texto" mais estranho este, talvez lhe coloque uma imagem engraçada para dar um pouco mais de alento, talvez assassine a beleza de uma imagem "nisto". Por que raio uma imagem não pode ser sacrificada a tentar abrilhantar algo que não existe? Afinal eu também sorrio para que não me vejam a alma, também finjo não me preocupar quando por dentro morro lentamente, e alguém se importa com isso? Está decidido, irei sacrificar uma imagem qualquer neste pedaço de nada!
 Tão decidido que eu pareço, quem tiver lido isto, até aqui, deve pensar que estou em algum momento de mudança radical, que esta noite será a noite em que te vou esquecer e seguir em frente, uma nova pessoa surge num corpo já conhecido. Enganam-se, completamente, aqueles que pensam e vêm em mim a superficialidade de uma pessoa, tenho muito mais que aquilo que se vê,mas por favor, se não conseguiram descobrir isso não o tentem fazer agora, até porque dá um ar deselegante a pessoa, torna-se falsa e sem sentido, e como não ligo a essas pessoas nem tão pouco as tenho na minha vida, o melhor mesmo é seguirem tal como estão, admiro-vos assim!
 Voltando a parte onde dizia que parecia estar decidido em esquecer-te e seguir em frente, que deve estar espalhado algures aqui em cima, bem sabes que é mentira, infelizmente para ti, não abandono os sentimentos, cresceram em mim, fazem parte de mim, não os dou para a adopção nem os largo num banco de jardim, simplesmente vivo com eles, esperando que tenham com que se alimentar ou então que morram devagar e sem causar grande dor.
 Bem, este "texto" está assim qualquer coisa de, estranho? Talvez tenha feito o meu auto-retrato com estas palavras, afinal sou apenas mais um com a mania que quer ser diferente dos restantes, mas que todos vêm como um igual.

domingo, julho 29

Uma noite

 Na penumbra da noite dispo o teu corpo, faço de cada pedaço teu o meu recanto, o meu abrigo.
 Pelo teu olhar, percorro o Ser mais belo que algum dia conheci, acaricio, suavemente, o teu rosto de menina e vejo o teu olhar fechar-se pedindo-me o carinho que tanto desejas. As minhas mãos sobem até ao teu cabelo, sentindo-o escapar-me entre os dedos, chamo-te para mim sem interromper o silencio. Os teus lábios doces de sorriso fácil que se aproximam dos meus, desejo-os mais que tudo, anseio por eles de todas as vezes que os tenho junto aos meus. A suavidade com que eles me tocam, cortando-me a respiração do momento.
 De olhos fechados não te consigo ver, sinto apenas a tua textura, o teu corpo de mulher por entre as mãos. Pouco abaixo da cintura, levanto-te a roupa, devagar, deixando-te nua a pele macia e quente da barriga. Deixo a mente, minha e tua, tomarem conta deste instante, que as mãos te percorram o corpo escondido. A cada gesto meu, sinto-te puxar-me para ti, sinto o desejo tomar conta de mim, os lábios unidos pedindo por mais.
 A tua silhueta fina de mulher desperta em mim desejo, paixão, algo mais que o coração apenas conseguiria explicar se pudesse realizar o seu ínfimo desejo, saltar-me do peito e aconchegar-se nas tuas mãos. Os teus seios nus estremecem-me o corpo, no toque leve dos meus dedos que os percorrem, que os envolvem numa concha de ternura. A tua respiração cortante junto ao meu ouvido, a tua língua brinca com a minha orelha enquanto os meus beijos te devoram o pescoço, enquanto o teu corpo se enrosca no meu. As tuas mãos cravam-se na pele das minhas costas como amarras de onde eu jamais fugiria, onde viveria toda a vida, o teu corpo.
 Uma noite, tenho-te por uma noite para desvendar os segredos do teu corpo, ignorando o tempo e fazendo de cada momento a eternidade de que preciso para te amar. O teu olhar, irei encontra-lo deitado ao meu lado quando acordarmos, o teu sorriso de anjo será o convite perfeito para o beijo de bom dia, e o teu corpo o inicio de uma noite.

segunda-feira, julho 16

Sem saber o que vestir

 No monte de roupa usada procura algo para vestir, uma peça que me diga algo, em vão.
 Não sei que usar hoje, não me apetece procurar ou vasculhar neste monte de trapos que me cansa de cada vez que olho, quero mudar, preciso de mudar as roupas que tu vês.
 Talvez leve aquele conjunto que me torna querido e próximo de ti, mas ao mesmo tempo sinto-me apertado dentro dele, cada vez mais apertado. Vou usar uma roupa que me torna sedutor e carinhoso, que me deixe mostrar o melhor de mim, mas ainda ontem usei e não gostaste, talvez deva procurar outra peça. E se usar aquele meu fato de gala, que me faz sentir superior a ti e a todos? Má ideia, nunca me senti maior do que o que sou, bastante inferior a ti.
 Talvez deva ficar em casa, no meu cantinho, sem mostrar quem realmente sou, evito que me olhem de lado e que pensem mal de mim por andar com roupa suja e gasta. No entanto o sol brilha lá fora, consigo-o ver por entre as frinchas da persiana, convida-me para sair, para passear junto ao rio, mas tenho medo de me cruzar contigo, e se não gostas das minhas roupas? E se o perfume que não levo te seja desconhecido?
 Está decidido, vou para a rua de alma nua, sem disfarces ou encantos, na esperança que me vejas e não gostes, não me julgando por ser diferente.

quarta-feira, julho 11

"De-feito" à medida

 Nunca é fácil falar de nós mesmos, quanto mais assumir que temos defeitos como qualquer outro.
 Afinal a minha perfeição é tão igual quanto a tua, soube-o por ti.O facto de vermos o nosso esforço deitado por terra, ao sermos confrontados com pensamentos da pessoa que nos fez lutar, deixa-nos um sabor agridoce na boca. Interrogamos o porquê, onde se falhou, o que poderia ter sido feito de diferente, e chegamos a uma conclusão, afinal somos um humano como tantos outros, com qualidades e defeitos.
 Não tenho por hábito concordar contigo, nem sei se me apetece fazê-lo agora, mas tentarei ser razoável com a tua opinião. E, sem querer, revelo já aqui um dos defeitos que me apontaste, "mau-feitio". Até que ponto pode ser considerado mau-feitio um defeito? Será que importar-me demasiado contigo e ficar triste por não me dizeres nada pode ser considerado mau-feitio? Será que querer o melhor para ti pode ser sinal de possuir mau-feitio? Sim sei que, por teu lado, sou chato e que o melhor que eu quero nem sempre é o melhor que tu desejas, mas há sempre o beneficio da dúvida.
 Tenho consciência de quem sou, sem altar ou aureola, sem tridente pontiagudo ou fato vermelho, sou o que sempre fui contigo e sempre serei, humano errante e com o maior defeito de todos, apaixonar-me, de-feito à medida por ti. Continuando assim seguirei, dando-te os meus defeitos até quereres torna-los em sentimentos teus.

terça-feira, julho 10

Imperfeitamente, perfeita

 Por vezes olho e vejo-te diferente, a rapariga que conheço não está a minha frente, não se revela no corpo que habita. Desconhecida de mim, reconhecida por quem a quer lidar.
 As tuas formas desvanecem-se com a luz do dia, tornam-te sombria e distante, fria e perfeita no teu mundo, nesse mundo de objectivos, de sonhos e risos disfarçados. Por mais que te tente alcançar jamais saberei como o fazer ou conseguir, mesmo que te puxe ou que te toque, suavemente, a tua pele não responde. Como que por magia, o teu olhar torna-se vago, o teu sorriso fica estranho, os teus doces movimentos revelam a superioridade que não te reconheço.
 Talvez seja eu, talvez não te veja da mesma forma como te sinto na noite escura, talvez o poder de arrastares uma sombra que não te pertence. Talvez eu só consiga olhar a tua sombra.
 Repleta de imperfeição, distante de ti, caminhando ao teu lado, essa tua sombra imperfeitamente perfeita da pessoa que julgo ter conhecido.

Douro em socalcos

 Verdes olhos, no reflexo do horizonte já ali, espelhos sem fim da beleza tão simples e natural da paisagem sublime de um Douro em socalcos.
 De rochedos firmes e pedras soltas, campos repletos de um verde que outrora foi castanho, amarelo e inexistente, onde o suor no rosto do homem é o orgulho de uma luta inacabada. Por entre ventos frios e calor abrasador, segue o seu caminho, sereno, sem se dar por ele. A brisa que corre ou morre nas suas entranhas, moldando-o a seu belo prazer, desenhando em si as rugas de uma idade milenar.
 Hoje, verde e repleto da essência que nos corações das suas gentes faz sorrir, esquecendo as amarguras e os desamores vividos repetidamente. A azafama não tarda a chegar, para mais uma etapa que faz de ti único e maravilhoso. Os visitantes que te percorrem, que te tentam conhecer, deixando em ti pouco mais que nada, a não ser a enorme admiração de sentirem a imensidão de um povo e de uma região.
 Leito de sonho e coragem, onde guerreiros marcados pelas suas terras fazem jus ao teu nome, Douro

segunda-feira, maio 7

Um pedaço a menos

 Aquela sensação de querer deixar ir, de poder abandonar sem preocupar, dormir e acordar apenas quando o mundo tiver deixado de olhar para mim, mas tu estás aí, sim, desse lado onde o mundo não te alcança, onde o vento não te toca.
 Hoje quis forçar a rota, caminhar em sentido contrário, ir sem ser visto, mas os olhos que me perseguem, que me guiam por onde bem querem sem sentirem obstáculo, esses olhos que jamais me deixarão. Por entre o seu caminho, sigo imune às minhas tempestades, tentando ser o que esperam, sendo o que querem. Vêem o rosto, o corpo, julgando ter a alma que desejam, tirando partido do ser que lhes sou. Jamais conseguirão ver para lá do que lhes mostro, por mais que explorem a alma, por mais que forcem a barreira.
 Esta mascara que me protege, que me acompanhou e me ofereceram, exploro os seus vincos, os seus traços mais suaves, retiro o máximo do nada que ela me trás, embelezo-a com os teus sorrisos em mim, ofereço-te as palavras que não são mais que tuas, apenas tuas!
 Perguntas que ficam por responder, as minhas, as tuas, as que o mundo coloca, e então? hoje será apenas um pedaço a menos...

domingo, abril 8

Reflexos

 Na pedra da calçada, numa poça de água entre o caminhar, no céu estrelado, o reflexo de quem não se vê.
 A noite vai alta, o frio percorre o corpo como um estranho que destapa a pele das roupas que outrora foram o seu refugio, deixando a nu a alma que nunca se conheceu. A Lua brilha na calçada molhada, renasce aos pés do ser que a pisam, esconde-se e perde-se na sombra do corpo vazio.
 Tarde chega o tempo em que a pessoa conhece o ser, tornando vazia a existência ausente de uma alma por desvendar. Na realidade do pensamento mora a certeza do não ser, desenlaça-se a duvida constante, e ineficaz, de viver o sonho, tornando a realidade do pensamento em água que verte de uma fonte algures, tantas vezes perdida e achada.
 No seu leve bater, as ondas do mar formam personagens, criam vidas ocultas e distantes, deixam barcos sem rumo ou maré. Por entre espuma e algas, a maresia, a suave maresia, envolve o luar de uma noite perdida, embalando-a no seu leito de desassossego. Na sua água límpida, que outrora jorrou de uma fonte desconhecida, reflecte-se a imagem perdida de um ser que se conhece, de uma personagem que vagueia, sem nunca mostrar a alma que a habita, reflexos de um Ser.

sábado, março 24

Entre o riso e a tristeza

 Apenas os teus traços, rosto triste, olhar distante, acomodada a uma vida que foi tua, a uma vida que não te poderia ter pertencido.
 O que o teu olhar esconde, como pequenos diamantes jamais revelados ao mundo, o teu sorriso escondido partilha a beleza da pessoa que és.
 Os caminhos percorridos, as paisagens gastas e repetidas, a muralha que ao teu redor se ergue criando um mundo só teu, não deixa indiferente quem te olha e te revela, em palavras soltas e banais, sem nunca conhecer os jardins que guardas dentro da tua fortaleza. De pilares rígidos e bem profundos, mostras-te como um rochedo onde nem o mais alto temporal causará dano, onde todos os barcos ancoram sem se importar das amarras que em ti colocam, onde uma lágrima escava, uma vez mais, um traço vincado na tua alma.
 O sol reflecte nos lábios finos e rosados, clareando a tua vida e de quem te dás a conhecer, deixando a descoberto a menina que és, doce, meiga, ouvinte e locutora, personagem de um livro inacabado. Nos cabelos transportas as ondas do mar, solto na brisa de verão que contorna a ilha do teu rosto, onde cada gesto, cada sinal, são pequenos tesouros por descobrir.
 Tento descobrir quem és sem tocar a tua muralha, descubro contigo os teus jardins, por entre o riso e a tristeza.

terça-feira, fevereiro 28

Mente de desejos

 No breve suster de respiração, voas comigo para bem longe do mundo, para o único local que só nós conhecemos, onde apenas dois seres diferentes conseguem encontrar o único ser, o nosso!
  Não pensei que fosses mais que uma rapariga onde os meus olhos se perderam por entre sorrisos envergonhados, fiz de ti banal melodia, revi o teu corpo em fotos imagináveis e sem nexo, criei a personagem simples de um conto de fadas em que não serias perdida nem achada. Talvez por te admirar, tentei colocar-te ao meu lado, inventar de novo a pessoa que és, para que te pudesse ver de perto!
 Esta noite deixe-me levar pela tua imagem, suave recordação que guardo do momento em que te vi pela primeira vez. De olhos fechados, vendo a tua silhueta no reflexo do sol no charco de água mesmo ali, poderia acreditar ser imaginação minha, mas impossível não te ver, não sentir a tua presença!

 Acho que me perdi um pouco no texto... tento descrever-te, imaginar-te, sentir-te... e dou por mim aqui... assim... sem saber que dizer, sem saber que imaginar mais... perco-me nas palavras que não querem sair... encontro-me nos meus sonhos de puto apaixonado e com a mania que é de ferro, que não sente, que não chora...
 Pávido em frente ao ecrã a olhar as palavras...
 Acho que vejo, claramente, quem sou sem ti... uma mente de desejos... apenas!

quarta-feira, janeiro 25

Sinto falta do teu respirar

 Esta cama, demasiado grande para a minha vida, demasiado pequena para a minha solidão. Se ao menos conseguisse adormecer sem me sentir sufocar nas minhas saudades.
 Mais uma volta nos lençóis, teimosamente, frios e encontro o cantinho onde o teu corpo roçava o meu, onde a tua pele quente envolvia a minha e fazia esquecer o frio da cama. A tua almofada continua intacta, com o cheiro do teu cabelo, aroma de amêndoas que jamais esquecerei. O candeeiro permanece acesso, tantas quantas as noites que viajei no teu corpo, em sonhos ou em viagens que nenhum escritor conseguirá descrever.
 Há uma noite que me percorre o pensamento, noites e noites sem fim ela me invade a mente, noites e noites de solidão sem ti. A noite em que adormeceste no meu peito. Com o passar do tempo tornou-se em algo quase banal, mas o que nunca te disse senti-o, momentos de beleza por explicar, por decifrar, o teu respirar junto a mim.
 Como era suave o teu respirar, terno e calmo, por entre suspiros e sorrisos o teu rosto ia-se moldando a felicidade daquele momento. A tua cabeça deitado no meu peito, no meu ombro ou, simplesmente, no meu braço, enquanto eu te afagava o cabelo ou te beijava a cabeça, tu adormecias, como uma criança pequena. As vezes que te vi adormecer e fui feliz nesses instantes, perdi-lhes a conta, mas jamais esquecerei esse sentimento.
 Hoje, sinto a falta do teu respirar junto a mim, sinto falta da tua pele na minha, desejo encontrar o teu aroma a amêndoas na almofada vazia ao meu lado. Sinto falta de ti.

quinta-feira, janeiro 5

Medo das palavras

 Um brilho no olhar, trazido pela nostalgia, ao recordar pensamentos, sonhos e desejos meus, por entre palavras que partilhavam o meu mundo.
 Uma caneta pousada sobre o caderno, uma chávena de café quente, a musica que me acompanha nos momentos sombrios e distantes de mim, e o medo, o medo das palavras. Sem me magoar, desviando a caricia, invadindo o silêncio com o seu murmurar oco e transparente, as palavras assustam-me, perfuram-me a alma, deixando-me num desassossego. Sinto-me exposto a leves e breves palavras, banais e profundas palavras que arrancam do meu peito a vontade de as ter, de as escrever, partilhar contigo aquilo que sinto.
 Pudesse eu, inventar outro modo de te fazer chegar o que as palavras te levam, de te mostrar o que elas espelham à luz da tua alma, fosse eu capaz de deixar em ti a marca que nas palavras tatuo.
 O mundo conhecedor deixou de ter tempo para palavras, de querer ver ou sentir o puder que elas acarretam, limitou-se aos actos físicos sem dono, a olhares vagos repletos de vazio e solidão. Um não acreditar que transporta o sonho para o nada existente, onde se encontra o bem-estar necessário, e fugaz, do momento.
 Levo comigo este tormento, esta indecisão de saber o que escrever, de tentar encontrar as palavras certas para ti, de querer rever-te em cada palavra pronunciada pela tua boca. Outrora, pensei que conhecesses as minhas palavras, que as partilhasses através da mesma melodia que nos embalava, vejo agora que apenas eu soube cuidar de nós.
 Se chegar a ti, apenas posso querer que sintas estas simples palavras, "Gosto de ti, gosto só de ti."