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quarta-feira, maio 18

Viagem

 Por vezes, sinto uma enorme vontade de escrever, desabafar, dramatizar, ser eu em estado bruto e por lapidar. Deixar caneta ficar solta nos dedos e permitir que o coração e a alma partilhem as suas divergências numa só folha.
 A tinta da caneta vai ficando marcada folha fora, traço após traço, um ponto e uma virgula, mais um rabisco e um circulo em volta do vazio. No canto superior direito mal se distingue a cor branca do papel, no seu lugar um enorme aglomerado de riscos alinhados, estrategicamente, apoderam-se  de um pedaço de nada, como se isso lhes servisse de motivo de existirem.
 Aos poucos vou dando asas a alma e recatando um pouco mais o coração, talvez a folha em branco se consiga preencher um pouco mais. O braço acaba de adormecer, não o que suporta a mão e a caneta, mas sim o que me vai suportando a cabeça prestes a cair sobre o tampo da secretária. Quanto a mão que vai arrastando a sua caneta, bem, essa preenche a folha em branco com uma espécie de desenho, ou talvez uma pintura.
 Acho que perdi a vontade de escrever, o que quer que seja. As palavras não colaboram, a folha está cheia de rabiscos, algumas palavras soltas que se foram alinhando por entre pensamentos.
 Quando as coisas não correm como quero, tento descobrir a razão de isso acontecer e hoje cheguei a conclusão de que pensar em ti com uma caneta na mão e uma folha em branco não me leva ás palavras, leva-me numa viagem bem distante disto!

terça-feira, janeiro 5

Vem ser de mim

 O escuro de nós os dois, aquele breve espaço que separa quem nunca fomos e não chegaremos a ser, aquele silencio que tantas vezes pronunciamos com medo do nossa própria solidão, esse escuro que nos persegue na luz do dia. Não te pediria que me viesses ver se não fosse esse o teu desejo, não aguardaria por ti se não fosse essa a minha razão.
 Hoje, só hoje, vem ser de mim, vem tomar os meus sentimentos como se fossem teus, veste as minhas roupas e tenta manter o sorriso que trago. Larga tudo, deixa o teu mundo e vê o meu, respira a falsidade que me chega dos seres usurpadores de sentimentos, aprende a ser melhor do que eu, ensina-me a ser igual a ti.
 Despenteia o teu cabelo, puxa-me ao fundo de nós com essas tuas mãos delicadas e suaves, dá-me aquele teu sorriso repleto de magia, olha-me nos olhos e diz-me o que vês. Também eu achei possível ser eu, moldar-me a ti, tornar pedaços de mim em restos de ti e acredita que os vi, senti como se fossem perfeitos em nós. Depois, chegas tu com esse teu olhar, com esses olhos ridiculamente perfeitos capazes de envergonhar tudo em mim, capazes de me fazer renascer e voltar a ser a criança que vês. Como eu odeio essa tua perfeição angelical que me faz suster a respiração, me tira o sono e me acelera o coração.
 Vem ser de mim uma vez só, vem olhar-te, e diz-me se é impossível não me apaixonar por ti.