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terça-feira, abril 22

Sombras na noite escura

 Mal vejo onde os pés assentam, mas sinto o teu respirar, consigo seguir na tua direcção, chegar a ti, tocar-te ao de leve. O teu rosto, imaginado em cada pormenor teu, feito por luzes que não existem e que as mãos descobrem, consigo ver-te, assim como as sombras que tu trazes contigo.
 Não fora a noite tão escura e o mar corresse, livremente, rio acima e poderia julgar que te tinha visto num outro local, numa outra vida outrora habitada por mim. Vinco os pés aqui, onde o tempo parou, onde o som do silêncio nos embala e nos leva noite fora, aprecio o teu jeito de ser, as tuas formas tão bem delimitadas na minha mente. Houvessem gestos que se pudessem fazer sem se sentir e o meu corpo seria teu eternamente, tão eterno fosse o sonho.
 Os braços que se enrolam em ti, que te prendem e te puxam, percorrem o teu corpo deixando a alma prisioneira deles mesmos. As mãos cegam-te o olhar e impedem-te de ouvir, de sentir, de tentar querer. Limitas-te numa prisão que não é tua, deixas a tua mente ser levada noite dentro, sem perguntar o porquê. Glorificas o momento que te parece tão cómodo, tão repleto de tudo.
 Ouço-te chamar o meu nome, e respondo-te do longe do teu corpo. Talvez o mundo não pare, ainda, talvez o rio siga o seu rumo normal em direcção ao mar, mas o teu corpo estremece, e as mãos que te prendem, que te seguem, são as mãos das sombras que a noite escura te trás. Eu, continuo olhando para ti, imaginando o teu rosto, o teu corpo, o teu jeito de ser, longe de ti, longe das sombras que não trouxe comigo.