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quarta-feira, julho 27

Assassino do amor

 Tentei encontrar explicação para ti, tentando encontrar razões que me faltam.
 Vi-te, deitado sobre a rocha fria que o Sol não aqueceu, por onde a chuva passou e não gastou. Esperavas encontrar corpo e alma, onde habitar, onde pudesse o teu Ser florescer, longe dos espinhos e das ervas daninhas que te serviam de cama nesse teu rochedo.Nunca foste de grandes aventuras, seria patético seguires a vontade e desejo de alguém que não tivesse terra suficiente onde te enraizares, por isto, vi-te noites e dias, Invernos e Verões, deitado sobre essa tua cama amargurada, esperando a Primavera de uma vida.
 Não sei se te vi ou se te encontrei, sei apenas que senti a tua presença nela, disfarçado talvez, escondido de mim, por não saberes se seria merecedor de te ver.
 Com os primeiros raios de Sol, as tuas sementes começaram a florir, a desabrochar para mim, mostrando-te como és. A beleza que antes vi, sobre a pedra, sozinha e despida de tudo, hoje pertencia-me, conquistava-me numa luta a dois, entre mim e ti.
 Abandonaste o corpo escolhido, para te aninhares no meu, sem te pedir nada, oferecendo-te o vazio em mim. Embalei-te ao som do silêncio, fiz dos meus braços a cama que desejaras, partilhei contigo a fome de mais, o sonho de nós em ti.
 Não encontro a resposta para o teu presente, tão pouco para o teu futuro, sei apenas que te olho nos olhos sem saber onde estás ou como te encontrar.
 Olho-me ao espelho e vejo a tua ilusão, a tua imagem desfocada. Retiraram-te de mim, deixando tanto de ti no meu corpo, pedaços de solidão, silêncio e vazio, preenchidos agora pelo sorriso que me ofereceste no primeiro dia em que te vi.
 Terei sido eu quem te roubou e abandonou, terá sido ela que te iludiu e manipulou? Não sei, assim como não sei se algum dia fomos dignos do teu nome, da tua presença em nós.

quinta-feira, julho 21

Perco-me contigo

 Perco-me contigo, num mundo só nosso, por caminhos que conhecemos e tentamos descobrir a cada instante.
 Os meus braços que se deixam levar pela tua imaginação, que soltos navegam pelos sonhos teus e meus, percorrendo cada recanto do imaginário perdido no tempo. Por entre palavras silenciosas, nunca ditas, faço do  meu corpo som e cor, que outrora foi porto de abrigo, ancora do ser de alguém.
 Em banalidades tão complexas para eles, te encontro. Jamais saberão o significado das palavras que me dizes, que partilhas comigo, no silêncio do tempo. No entanto, para mim, não são mais do que caricias, que me levam para longe daqui, para longe do corpo que é meu.
 Difícil, seria descrever o que  te quero dizer, abrir a minha mente na tua, fazer de ti a metade de mim, para que não fosse preciso dizer-te a todo o momento que gosto de me perder contigo, que me fazes bem, mesmo que o desconheças, que gosto de sorrir para ti, mesmo que não o possas ver.
 Perco-me, no teu ser, no teu emaranhar de palavras que adoro, nos teus passos de cetim, nos teus gestos soltos que me levam para longe.
 Perco-me contigo, num mundo só nosso.

sexta-feira, julho 15

O Rei

 Em tempos, sem tempo nem preocupações, houve um rei, sem castelo nem ouro, sem súbditos nem leis que pudesse reger.
 Sobre sonhos enormes construiu o seu mundo, o seu minúsculo império de fantasia. Sonhou ser rei, rei  de um mundo desconhecido, e partiu rumo a descoberta, de campos e cearas a conquistar. A sua pequena estatura seria insignificante perante o seu imenso reino!
 Por entre a vegetação alta e densa, desbravou caminho, criou trilhos e pontos onde todos pudessem saber que ali teria passado um rei, um conquistador de espada em riste. Os adversários que enfrentou, as batalhas que travou, não o feriram apenas, deram-lhe força para continuar a lutar em nome do seu sonho.
 Muitas foram as noites em que dormiu ao relento, em que a chuva o deixou encharcado e os relâmpagos com medo, mas ele sabia que tinha de ser forte, que amanhã o sol iria brilhar e que o seu destino estava traçado. Fechava os olhos com toda a sua força e tentava imaginar-se de coroa na cabeça, o seu bastão na mão e na sua frente uma multidão venerando-o.
 Os primeiros raios de luz secavam-lhe o corpo, pequeno e magro, cobriam o horizonte com uma neblina capaz de o submergir no silêncio dos seus inimigos. Em passadas largas e apressadas ele seguia o seu objectivo. Não tinha tempo a perder, pois não sabia quando as suas forças o iriam atraiçoar.
 O enorme lago, o seu maior desafio, teria de ser ultrapassado. Talvez com uma jangada o conseguisse atravessar, talvez contornando-o, mas o tempo, esse terrível tempo que não parava para ele. De mangas arregaçadas, caminha floresta dentro, colhendo cada tronco que o suportaria na sua longa jornada.
 Por entre cantigas, enroladas num assobiar cansado, depara-se com o seu maior inimigo. Mesmo ali a sua frente, a enorme cobra prateada, de olhos vidrados e encarnados, de dentes afiados. Nunca o seu corpo se sentiu tão diminuto como naquele momento, seria capaz de se esconder em qualquer cantinho sem que o vissem. A fuga seria o mais sensato, pensou ele, pois perante o tamanho do seu adversário as hipóteses seriam poucas, mas nem este pensamento realista o fez desistir do seu sonho. Desembainhou a sua espada, erguendo-a ao céu, mostrando ao monstro que estaria pronto para lutar, para morrer pelo seu sonho.
 Por entre gritos de dor, ramos partidos e folhagens remexidas, o pequeno herói vence o temível monstro, agora estendido no chão, de olhos fechados e coberto de sangue.
 Sem folgo, sentou-se numa pedra virada para o lago, olhou a imensidão de água e viu ali perto a sua imagem reflectida. De orelhas erguidas, focinho bicudo e dois dentinhos de fora, o pequeno rato sentiu que o  seu destino estava traçado, ser Rei.

terça-feira, julho 12

Encontro-me

 Desperto sigo pela vida, conhecedor do caminho percorrido, incerto do futuro que me espera.
 Sem medo do sentimento que me acompanha, que me embala nas passadas lentas, me aconchega nas noites frias que me chegam do Norte, como uma brisa cortante. A beleza da paisagem, dos seres que por mim passam, de onde bebo as suas melhores qualidades, onde refresco a minha alma repleta de ti.
 Não tenho a tua coragem, a tua valentia, mas tenho-me a mim, a minha liberdade, a minha solidão, fazendo-me percorrer os prados verdejantes do Outono, que não existem, que não conheces ou não partilhamos. A água da lagoa que parou por nós, para nos ver, para não interromper o nosso silêncio agitado, hoje move-se ao sabor do vento, o mesmo vento que me beija a pele sem me tocar.

Foi um silenciar.
Um mundo algures sentido
Perdeu o seu ritmo,
E o olhar que tinha vestido
O amor despiu.

Acreditou no sorriso
E no coração destemido.
Hoje adormece com a sombra
Do desamor que o atraiçoa.



Texto escrito com a colaboração da Mafalda, autora do blog Não te consigo inventar.

domingo, julho 10

Asas de um anjo

 Hoje vi-te, linda, perfeita, vestida de branco, como um anjo, sem asas, apenas com o teu jeito de ser.
 Caramba, estou em frente ao pc a tentar escrever algo, mas, sinceramente, não consigo encontrar as palavras, não consigo descrever o que me vai na alma. Se em outros textos era, relativamente, fácil criar uma personagem e descrevê-la, hoje, com a personagem diante dos meus olhos, perco-me na tua beleza, na tua pessoa, na tua liberdade.
 Nem o frio da noite me tocou o corpo, senti-me um estranho ali, perante ti. Aquilo que julgava impossível, tocou-me muito mais forte do que possas imaginar. Nunca pensei voltar a encontrar-te e sentir o teu frio invadir-me o corpo e a alma, como se fossem teus, como se pudesses fazer deles o que bem te apetece.
 Voltei a sentir-me capaz de conquistar o mundo, mesmo sem coração a bater por mim, mesmo sem a alma a pertencer-me. Tal como outrora, entregaria-te tudo o que tenho e rumaria para o desconhecido de ti, para te encontrar, para te pertencer.
Gostava de te dizer como me sinto, com a clareza e certeza que mereces, mas nem eu sei onde me encontro no meio dos meus sentimentos. Talvez perdido, desorientado, naufrago de mim mesmo, sem saber o que sou ou onde pertenço. Era criança e gostava de poder controlar o tempo, esse malvado de olhos cerrados, com cara de mau que me assustava e atormentava sempre que passava por mim sem eu dar por ele. Hoje, volto a ser essa criança, mais crescido, mais conhecedor do mal que me pode fazer, e continuo a querer controlar o tempo. Parar, recuar e recomeçar. Continuar o sonho que ainda dói, adormecer junto a ti, sabendo que amanhã irei acordar sem a pressa de voltar a sonhar, pois tu estarás lá.
 Um dia irei acordar, e irei ver que a pessoa que hoje vi não estará lá para mim.
 Mesmo sem asas de anjo, voaste para longe de mim.
 Desculpa-me.

terça-feira, julho 5

Oceano de lágrimas

 Impossível de controlar, de te prender no teu leito normal, rolando sobre a face fria e adormecida do mundo.
 No escuro da noite, tu apareces, lenta e solta, como o vento que trás a neblina, alheia ao teu destino, ao teu fim. Queres apenas molhar o corpo, marcar a alma de uma tristeza sombria, relembrar que, tantas outras vezes, foste a minha única companhia, o meu porto sem abrigo, a minha maré revolta de mim mesmo.
 E eu, deixo-te correr, sem me preocupar que te vejam, que te toquem, que manches uma vez mais o meu ser perdido. O teu caminho pelo meu rosto, conheço-o bem. A pele moldou-se a ti, criou o seu próprio regato por onde segues livremente, sem pedires autorização para invadires, sem te sentires estranha em mim.
 A fonte que encontras, colorindo-te de um castanho escuro e doce, de sentimentos vazios. Se ao menos fosses fiel ao teu nascer, à tua grandeza, poderias desbravar caminho por mundos que jamais conhecerás.
 Um dia tentei saborear-te, na esperança que algo de bom me trouxesses, talvez a memória dos lábios meus, talvez o perfume que me acompanhou, lado a lado, mas nada disso me deste. Amarga, salgada como o oceano, fria como o inverno onde morri, assim te encontrei, assim me perdi para ti.
 Não me importo de ti, não quero saber o mal que me podes provocar, pois sei que serás feliz no teu final, no teu oceano de lágrimas.

domingo, julho 3

Ainda dói

 A alma marcada por ti, ferida aberta que custa a sarar.
 Anda dói o teu ultimo beijo, dado com amor e carinho, sincero, desejado como o ar para respirar. Consigo sentir os teus lábios nos meus, as tuas mãos no meu corpo que é teu. O teu olhar de encanto, que me prendia em ti, que me levava para o nosso mundinho.
 Ainda dói o teu sentimento, amor profundo sentido nos corações inocentes de quem ama. Porta aberta para esse limbo de sonho, esquecido pelos mortais, refugio encontrado por nós, onde te encontrava e tu me vias.
 Anda dói lembrar-te, saber de ti, sentir a tua presença tão perto, e ao mesmo tempo tão longe, de mim.
 O sorriso que hoje dás, que partilhas com a sinceridade de outrora, não é a mim que o ofereces, não são os meus olhos que o vê, mas sinto-o, em outro lugar, em outra pessoa, e dói.
 Ainda dói sentir-te em mim.