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sexta-feira, julho 15

O Rei

 Em tempos, sem tempo nem preocupações, houve um rei, sem castelo nem ouro, sem súbditos nem leis que pudesse reger.
 Sobre sonhos enormes construiu o seu mundo, o seu minúsculo império de fantasia. Sonhou ser rei, rei  de um mundo desconhecido, e partiu rumo a descoberta, de campos e cearas a conquistar. A sua pequena estatura seria insignificante perante o seu imenso reino!
 Por entre a vegetação alta e densa, desbravou caminho, criou trilhos e pontos onde todos pudessem saber que ali teria passado um rei, um conquistador de espada em riste. Os adversários que enfrentou, as batalhas que travou, não o feriram apenas, deram-lhe força para continuar a lutar em nome do seu sonho.
 Muitas foram as noites em que dormiu ao relento, em que a chuva o deixou encharcado e os relâmpagos com medo, mas ele sabia que tinha de ser forte, que amanhã o sol iria brilhar e que o seu destino estava traçado. Fechava os olhos com toda a sua força e tentava imaginar-se de coroa na cabeça, o seu bastão na mão e na sua frente uma multidão venerando-o.
 Os primeiros raios de luz secavam-lhe o corpo, pequeno e magro, cobriam o horizonte com uma neblina capaz de o submergir no silêncio dos seus inimigos. Em passadas largas e apressadas ele seguia o seu objectivo. Não tinha tempo a perder, pois não sabia quando as suas forças o iriam atraiçoar.
 O enorme lago, o seu maior desafio, teria de ser ultrapassado. Talvez com uma jangada o conseguisse atravessar, talvez contornando-o, mas o tempo, esse terrível tempo que não parava para ele. De mangas arregaçadas, caminha floresta dentro, colhendo cada tronco que o suportaria na sua longa jornada.
 Por entre cantigas, enroladas num assobiar cansado, depara-se com o seu maior inimigo. Mesmo ali a sua frente, a enorme cobra prateada, de olhos vidrados e encarnados, de dentes afiados. Nunca o seu corpo se sentiu tão diminuto como naquele momento, seria capaz de se esconder em qualquer cantinho sem que o vissem. A fuga seria o mais sensato, pensou ele, pois perante o tamanho do seu adversário as hipóteses seriam poucas, mas nem este pensamento realista o fez desistir do seu sonho. Desembainhou a sua espada, erguendo-a ao céu, mostrando ao monstro que estaria pronto para lutar, para morrer pelo seu sonho.
 Por entre gritos de dor, ramos partidos e folhagens remexidas, o pequeno herói vence o temível monstro, agora estendido no chão, de olhos fechados e coberto de sangue.
 Sem folgo, sentou-se numa pedra virada para o lago, olhou a imensidão de água e viu ali perto a sua imagem reflectida. De orelhas erguidas, focinho bicudo e dois dentinhos de fora, o pequeno rato sentiu que o  seu destino estava traçado, ser Rei.

1 comentário:

  1. uma história tão bonitinha :) Vou contá-la ás minhas crianças :)

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