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quarta-feira, março 5

Incontornável melodia

 Já vivi mais do que o tempo pode viver. Outrora, desejei muito mais do que o que qualquer comum mortal poderia merecer. Invadi os sonhos de mim mesmo tentando viver, de uma só vez, tudo o que teria vivido se aqui não estivesse.
 Já te ouvi velho silêncio, nas ruas escuras de uma noite de amargura, fugi de ti como quem foge ao amor não desejado, virei a esquina por caminhos e ruelas onde te pude apunhalar de olhos fechados na esperança que me tivesse enganado no meu corpo. O turbilhão de ideias, desejos, preces a que prendi a minha mente, tentando matar qualquer réstia de existência que pudesse viver no meio de uma vida confusa, foi o meu ultimo refugio, a guarida que ansiei ser espinhosa de mais para que um corpo mortal pudesse suportar. Não fui quem serei um dia, e tão pouco quem agora desabafa por entre palavras, dolorosamente, arrancadas por uma mão que te matou velho silêncio!
 Tu, do meio do nada que me apareces e me mostras que uma vida vivida com tanto para contar, se resume apenas ao agora que não vivi. Morfina de uma morte anunciada ao som de sinos majestosos. Sepultura onde a minha mente descansava nos seus últimos momentos de lucidez descontrolada, e chegas tu para me arrancar das entranhas do meu mundo.
 Deveria agradecer-te por contrariares a rotação normal do meu mundo? Por me fazeres parar em frente a ti só porque sim? Não haverá vida em que te posso agradecer, não será por ser que tudo deixará de existir, mas será das tuas palavras em mim que o eco da minha voz percorrerá o teu mundo!
 Tu, que tão bem me fazes.