Páginas

terça-feira, janeiro 5

Vem ser de mim

 O escuro de nós os dois, aquele breve espaço que separa quem nunca fomos e não chegaremos a ser, aquele silencio que tantas vezes pronunciamos com medo do nossa própria solidão, esse escuro que nos persegue na luz do dia. Não te pediria que me viesses ver se não fosse esse o teu desejo, não aguardaria por ti se não fosse essa a minha razão.
 Hoje, só hoje, vem ser de mim, vem tomar os meus sentimentos como se fossem teus, veste as minhas roupas e tenta manter o sorriso que trago. Larga tudo, deixa o teu mundo e vê o meu, respira a falsidade que me chega dos seres usurpadores de sentimentos, aprende a ser melhor do que eu, ensina-me a ser igual a ti.
 Despenteia o teu cabelo, puxa-me ao fundo de nós com essas tuas mãos delicadas e suaves, dá-me aquele teu sorriso repleto de magia, olha-me nos olhos e diz-me o que vês. Também eu achei possível ser eu, moldar-me a ti, tornar pedaços de mim em restos de ti e acredita que os vi, senti como se fossem perfeitos em nós. Depois, chegas tu com esse teu olhar, com esses olhos ridiculamente perfeitos capazes de envergonhar tudo em mim, capazes de me fazer renascer e voltar a ser a criança que vês. Como eu odeio essa tua perfeição angelical que me faz suster a respiração, me tira o sono e me acelera o coração.
 Vem ser de mim uma vez só, vem olhar-te, e diz-me se é impossível não me apaixonar por ti.