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segunda-feira, setembro 6

O vazio da noite

 

A noite trouxe a brisa de outros tempos, os odores e sabores que se haviam perdido com o passar dos dias. 

 A pele fria, de um verão que deixa saudades a cada amanhecer nublado e húmido, fará rotina em dias cada vez mais cinzentos e vazios de noites longas de solidão. Porém, esta noite, será esta brisa, que leva a mente para longe, que deixa o corpo dormente desejoso de mais vazio, a preencher a lembrança de outrora. Os risos, os gestos, os toques e a azáfama desenfreada de não ter onde ir.

 Tão sublime quanto o silêncio, os odores da noite invadem a alma transportando-a para onde o tempo não tem tempo para existir, onde a memoria gela o momento efêmero do que fui. Sem correrias, sem pressas ou vagares, apenas o tempo no seu manto gélido lembrando que outrora fui tudo o que desejei sem a necessidade de ser.

 O frenesim de sabores, doces e amargos, que degusto com a vontade de quem devora os momentos alheios a tudo e perdidos no passado, como que revividos sem consentimento da saudade. 

 Esta noite, esta brisa, esta vontade de vazio que devora a saudade na procura de tudo.



quarta-feira, maio 18

Viagem

 Por vezes, sinto uma enorme vontade de escrever, desabafar, dramatizar, ser eu em estado bruto e por lapidar. Deixar caneta ficar solta nos dedos e permitir que o coração e a alma partilhem as suas divergências numa só folha.
 A tinta da caneta vai ficando marcada folha fora, traço após traço, um ponto e uma virgula, mais um rabisco e um circulo em volta do vazio. No canto superior direito mal se distingue a cor branca do papel, no seu lugar um enorme aglomerado de riscos alinhados, estrategicamente, apoderam-se  de um pedaço de nada, como se isso lhes servisse de motivo de existirem.
 Aos poucos vou dando asas a alma e recatando um pouco mais o coração, talvez a folha em branco se consiga preencher um pouco mais. O braço acaba de adormecer, não o que suporta a mão e a caneta, mas sim o que me vai suportando a cabeça prestes a cair sobre o tampo da secretária. Quanto a mão que vai arrastando a sua caneta, bem, essa preenche a folha em branco com uma espécie de desenho, ou talvez uma pintura.
 Acho que perdi a vontade de escrever, o que quer que seja. As palavras não colaboram, a folha está cheia de rabiscos, algumas palavras soltas que se foram alinhando por entre pensamentos.
 Quando as coisas não correm como quero, tento descobrir a razão de isso acontecer e hoje cheguei a conclusão de que pensar em ti com uma caneta na mão e uma folha em branco não me leva ás palavras, leva-me numa viagem bem distante disto!

terça-feira, janeiro 5

Vem ser de mim

 O escuro de nós os dois, aquele breve espaço que separa quem nunca fomos e não chegaremos a ser, aquele silencio que tantas vezes pronunciamos com medo do nossa própria solidão, esse escuro que nos persegue na luz do dia. Não te pediria que me viesses ver se não fosse esse o teu desejo, não aguardaria por ti se não fosse essa a minha razão.
 Hoje, só hoje, vem ser de mim, vem tomar os meus sentimentos como se fossem teus, veste as minhas roupas e tenta manter o sorriso que trago. Larga tudo, deixa o teu mundo e vê o meu, respira a falsidade que me chega dos seres usurpadores de sentimentos, aprende a ser melhor do que eu, ensina-me a ser igual a ti.
 Despenteia o teu cabelo, puxa-me ao fundo de nós com essas tuas mãos delicadas e suaves, dá-me aquele teu sorriso repleto de magia, olha-me nos olhos e diz-me o que vês. Também eu achei possível ser eu, moldar-me a ti, tornar pedaços de mim em restos de ti e acredita que os vi, senti como se fossem perfeitos em nós. Depois, chegas tu com esse teu olhar, com esses olhos ridiculamente perfeitos capazes de envergonhar tudo em mim, capazes de me fazer renascer e voltar a ser a criança que vês. Como eu odeio essa tua perfeição angelical que me faz suster a respiração, me tira o sono e me acelera o coração.
 Vem ser de mim uma vez só, vem olhar-te, e diz-me se é impossível não me apaixonar por ti.

segunda-feira, agosto 10

Corações de Papel

 No teu sorriso perdi as palavras, desenhei os meus sonhos e encontrei o brilho do meu olhar. Tantas vezes percorri o teu sorriso na cor dos teus lábios, na sua forma graciosa de me beijar a alma.
 Quantas vezes teria de te dizer o quanto morri por ver o teu sorriso? Quantos passos troquei no meu caminhar para tentar chegar até ti? Tanto quanto o sentimento, deslumbrei um sonho que me fez sentir-te em mim. Talvez tenha procurado o teu olhar, o teu sorriso, o teu jeito, por palavras vazias que o tempo me trouxe, invadindo-me a alma e afastando-me para longe do que um dia fui em ti, ou terás sido tu em mim? Estas palavras que me trocam o sentimento por banalidades que o comum mortal sente e que apenas eu sinto ao ver-te, como sendo o meu maior dilema, a minha maior certeza de que nem tudo te disse, nem tudo te senti. Vi-nos rodeados de tudo, de nada, da nossa distância e do nosso carinho, tão afectuoso quanto quente, tão apaixonado quanto desligado. Reguei em mim palavras que nos levaram a florescer, que me levaram a cobrir os teus e meus sonhos de flores de jasmim. Do nosso jardim colhemos tantos versos, tantos brindes de copo meio cheio, olhares e cumplicidades que tão bem conhecemos e que nos acompanham a cada sorriso.
 O teu rosto belo, meigo, doce, de sorriso angelical, num corpo de mulher atrevida, sedutora, serena de certezas a concretizar. Os teus passos tão firmes, o teu caminhar tão repleto de ti sem deixares espaço para mais ninguém. Desajeitas-me a alma Sorriso de Anjo, inquietas o meu mais profundo vazio na tentativa de preencher tudo aquilo que entre nós existe.
 As palavras, que de nada valem, os sonhos e desejos, que nos entorpeçam o jeito de amar, tornando-nos desajeitados, inocentes, de coração de papel.

domingo, junho 14

Sorriso, o teu

 Procuro a definição do teu sorriso, talvez a definição que não existe, a definição que julguei simples de encontrar. Como um poema, que se escreve sem se conhecer a história ou o sentimento, assim eu tento definir o teu sorriso.
 Não conhecendo o teu sorriso, a sua origem e o seu passado, apenas me delicio a olha-lo de longe. Tento não te olhar directamente, ficaria chateado se te envergonhasses ao me ver olhando para ti e que deixasses de sorrir. Porém, ver-te sorrir feliz também me faz feliz. Contagiante, será a primeira palavra que utilizo para definir o teu sorriso, mas prometo tentar encontrar, tantas quantas possíveis, palavras que reflictam o teu sorriso mesmo que não o possa ver ou tocar.
 A forma como sorris, não a tua gargalhada, o contorno dos teus lábios. Tanta ternura, tanta doçura quanta possa ser negada a quem dela não partilhe. O rosado de uma pétala perfeita que o sol ilumina. Florido. Sim, o teu sorriso pode ser chamado de florido, levando a memória para as mais bela flores de qualquer jardim perfeito e invulgar, onde nada mais existe que o teu sorriso.
 Temo não chegar ao teu sorriso, a essência do teu sorriso, o verdadeiro motivo que aqui me trouxe e que aqui me fez sonhar por o voltar a ver, a comungar do seu contágio, da sua alegria que floresce a cada olhar doce que de ti vem. Talvez não seja eu o destino do teu sorriso, talvez por isso não o consiga definir. Pudesse eu pegar no teu sorriso e torna-lo meu enquanto um poema é escrito e vivido, vezes sem conta.
 Por enquanto ficarei a olhar-te de longe, vendo o teu sorriso.

quarta-feira, outubro 22

No fim de nós

 Longe vai o dia em que corríamos, desesperadamente, para longe daqui, onde pudéssemos ser nós, onde nada seria mais do que eu e tu, estivéssemos a sós que o tempo se encarregaria por si só de desaparecer para não mais nos parar.
 O luar está calmo, o céu escuro e carregado de saudade parece abraçar as almas que o tempo trás de amores perdidos e desencontrados. O corpo, que no seu colo carrega o corpo de alguém, sente o calor de uns braços trémulos fugindo peito abaixo. Um corpo, o meu, deixando o teu desistir de mim, abandonando o nós que aqui viveu.
 Frio que incendeia o corpo adormecido, em meus braços vejo o pedaço de ti que o tempo não levou. Rosto pálido, perfume sem odor e um sorriso que se perdeu num adeus que não se pronunciou. Impávido olho o teu cabelo, perfeitamente, desalinhado, uma ultima caricia, um ultimo toque nos teus lábios enrugados e frios. Secreto fica o desejo de te voltar a ter, de te dar vida em mim.
 Sem ti, abandono os corpos inexistentes naquele local escuro onde o vento não sopra, onde o luar ilumina os teus olhos sem brilho. Naquele mesmo local, enterro o que resta de nós, todas as memórias, todas as imagens que o tempo segurou em mim, desfaço os sonhos e os desejos, carrego a mente de pedras que pisei e arrastei, levo a metade que nunca viveu em nós.

terça-feira, outubro 21

Porquê eu?

 Foi sem querer ir que te levei nos sonhos que tinha de mim e de ti, sem pedir que te interrompi na tua vida de sossego, vasculhando cada sentimento adormecido, colhendo as flores da Primavera esquecida no teu coração.
 Foi por entre os dedos, que deixei um beijo levar-me aos teus lábios, onde percorri cada textura da tua boca e me perdi na doçura dos teus beijos. Cada traço do teu rosto acariciado pelo toque sedento de ti, do teu ser, da suavidade da tua pele, pelo carinho dos teus olhos.
 Foi sem jeito que ganhei coragem de te desejar só para mim, sem jeito de ser que te olhei e me vi feliz. E tu, no teu jeito de ser me perguntas, porquê eu?
 Foi por amor.

quinta-feira, setembro 25

Volta

 Tento reavivar a memória e luto para lembrar onde te deixei, onde ficamos, no porquê de termos deixado o tempo passar sem o acompanharmos. Questiono-me porque não corremos atrás um do outro, porque não te abracei uma ultima vez, mais forte que a ultima, mais intensa que a primeira.
 Hoje perdi os passos de uma caminhada segura, deixei que as pernas adormecessem ao som da tua imagem, vagueassem por entre sonhos e pensamentos, que haviam ficado guardados nas entranhas de um trilho difícil de percorrer.
 Desejo o teu regresso, sentir o que senti quando te vi pela primeira vez, segurar na tua mão junto ao meu peito, tocar os teus lábios e matar as saudades da tua pele.
...
Quero tanto que voltes, volta com a força de uma brisa matinal, traz-me de volta o tempo que não vivi ao teu lado, e, se preciso for, espera, espera que seja o tempo a retirar-nos um do outro. 

terça-feira, julho 15

Tudo sobre Nada

 A dúvida sobre o que é ou a quem pertence, a certeza do desconhecido que prende ao Nada quando nada está presente, talvez seja apenas eu, talvez seja de mim e de idiotas como eu.
 Quando Nada foi feito, nada haveria que fazer ou julgar o estar feito, apenas se diz que Nada foi feito enquanto tudo se arrasta para não haver mais Nada. Fácil, desmistificar a definição de Nada se fosse possivel associar cada definição pessoal a algo que nada vale. De opiniões, e certezas próprias, que nada contam, resume-se tanta coisa ao Nada que hoje se vive e se partilha.
 Quando não apetece fazer Nada, sentir Nada, desejar Nada, pressupomos que algo será exagerado para que seja feito, realizado, sonhado, mas no fundo estaremos a espera de algo que não caiba no mundo, de algo que Tudo seria insignificante ao lado do Nada que nos aparece.
 Como um carrossel vazio de Tudo e Nada, onde se luta por algo que não existe, se espera por algo que não vem e nos leva de volta ao início, passando pelo mundo vazio que nos acolhe sem Nada para nos dar e com Tudo que nos pode negar.
  Quis dizer Nada...

terça-feira, abril 22

Sombras na noite escura

 Mal vejo onde os pés assentam, mas sinto o teu respirar, consigo seguir na tua direcção, chegar a ti, tocar-te ao de leve. O teu rosto, imaginado em cada pormenor teu, feito por luzes que não existem e que as mãos descobrem, consigo ver-te, assim como as sombras que tu trazes contigo.
 Não fora a noite tão escura e o mar corresse, livremente, rio acima e poderia julgar que te tinha visto num outro local, numa outra vida outrora habitada por mim. Vinco os pés aqui, onde o tempo parou, onde o som do silêncio nos embala e nos leva noite fora, aprecio o teu jeito de ser, as tuas formas tão bem delimitadas na minha mente. Houvessem gestos que se pudessem fazer sem se sentir e o meu corpo seria teu eternamente, tão eterno fosse o sonho.
 Os braços que se enrolam em ti, que te prendem e te puxam, percorrem o teu corpo deixando a alma prisioneira deles mesmos. As mãos cegam-te o olhar e impedem-te de ouvir, de sentir, de tentar querer. Limitas-te numa prisão que não é tua, deixas a tua mente ser levada noite dentro, sem perguntar o porquê. Glorificas o momento que te parece tão cómodo, tão repleto de tudo.
 Ouço-te chamar o meu nome, e respondo-te do longe do teu corpo. Talvez o mundo não pare, ainda, talvez o rio siga o seu rumo normal em direcção ao mar, mas o teu corpo estremece, e as mãos que te prendem, que te seguem, são as mãos das sombras que a noite escura te trás. Eu, continuo olhando para ti, imaginando o teu rosto, o teu corpo, o teu jeito de ser, longe de ti, longe das sombras que não trouxe comigo.