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sexta-feira, abril 29

Recordações pequeninas 5

 Quem nunca teve aquele primeiro amor de escola? Aquele amor que logo ali, mal vimos a pessoa por quem o nosso coração se derreteu todo, nós juramos a nós mesmos que será para toda a vida. Amores amores amores...
 Tinha eu onze anos na altura, modesto conhecedor da vida e de todas as suas vertentes, puro ignorante!
 Aquela rapariga, de cabelos aos cachos, castanhos brilhantes, a cara ligeiramente redonda, olhos meigos e doces, sorriso feliz e inocente. Vi-a, talvez não no primeiro dia de aulas, pois a mistura de sentimentos de estar no 5º ano não me permitiu ver nada do que me rodeava, mas, certamente, no segundo dia de aulas aquela miúda não me passou despercebida!
 Recordo-me da emoção que foi quando lhe mandei o primeiro bilhete. Um simples "olá, não sei o teu nome, mas gosto de ti." foi o inicio de algo tão maravilhoso quanto possam imaginar. Um colega foi o mensageiro daquele papel, escrito com uma letra tão deprimente como a de agora, mas com palavras tão inocentes e tão verdadeiras. Enquanto ele entregava o meu pequeno tesouro, eu observava tudo de longe, com aquele brilho no olhar na esperança de ela olhar para mim, escondido a um canto.
 A troca de bilhetes e sorrisos foi uma constante durante quase todo o ano lectivo, e eu sentia-me feliz com aquela magia. As brincadeiras foram surgindo, os comentários toscos e sem jeito eram o meu forte, nunca tive grande perspicácia para falar com uma miúda olhos nos olhos, mas ela gostava de mim e eu gostava dela.
 No 3º período, e depois de umas férias da Páscoa cheias de saudades dela, finalmente ganhem coragem para lhe pedir em namoro. As minhas mãos tremiam por tudo quanto era canto, eu estava a transpirar por todos os poros, mas consegui arranjar forças para pegar, uma vez mais, na caneta e escrever as três palavras mágicas "queres namorar comigo?" numa folha em branco. A resposta seria dada nesse mesmo papel, com uma técnica que ainda hoje não percebo muito bem, escrevia-se "sim" e " não" nos cantos e a pessoa teria de dobrar a resposta que queria dar. Até aqui tudo correu bem, o meu colega mensageiro entregou-lhe o bilhete, e tinha ordens precisas para não regressar sem o mesmo bilhete, com a promessa de uma morte dolorosa se o fizesse ou se o abrisse antes de mim. Passada uma eternidade deparo-me com um dos meus momentos mais estranhos da minha vida, tinha a resposta nas minhas mãos, mas quereria abrir o bilhete e ficar a saber a resposta, ou preferiria ficar na ignorância e continuar, ao menos, a sorrir para ela nos intervalos das aulas?
 Meio contra a vontade e forçado pelo meu colega, abro aquele bocadinho de papel. "não" estava dobrado e "sim" estava a frente dos meus olhos. Será que ela quis dizer sim ou não??? Será que quis mostrar-me o "sim" como resposta ou quis esconder o "não" para que eu tivesse uma surpresa quando visse a escolha que tinha feito??? Meu Deus que angustia tão grande!! Fiquei sem saber o destino do meu futuro. Ok, tinha de ser realista! Ela pode não ter percebido o que era para fazer, pode ter-se enganado, mas nenhuma destas opções me tranquilizavam, pelo que decidi deixar andar para ver o que acontecia.
 No intervalo seguinte, fiz tudo por tudo para ser o ultimo a sair da sala de aula, assim quando chegá-se cá fora estariam os corredores cheios de pessoas e poderia correr até a rua sem ela me ver. Mas há algo que odeio, quando queremos passar despercebidos, há sempre alguma coisa que nos faz ser o centro das atenções. Aproximo-me da porta e mal ponho um pé da parte de fora, um matulão do 9º ano manda-me ao chão, e só vejo aqueles olhos meigos e doces a olharem para mim, de braços esticados querendo-me ajudar. Logo ali eu percebi que a resposta dela tinha sido um "sim" sentido, pois passada uma hora de eu a ter pedido em namoro, ela estava disposta a ajudar-me a ultrapassar os momentos difíceis da vida!
 Para além do meu fraco jeito para conversar com miúdas, também nunca fui bom a mostrar-lhes os meus sentimentos físicos, pelo que o resto do dia passou-se sem um passeio de mãos dadas, um abraço e muito menos um beijo!
 O dia seguinte foi, do meu ponto de vista, o mais arrojado de todos! Estava eu a atravessar o pátio da escola, prestes a entrar a porta, quando a vejo lá dentro à minha espera com mais três amigas dela. Rezei para que a noite não lhe tivesse feito mal e que não tivesse nenhuma atitude de que nos pudéssemos arrepender. Uma vez mais, a situação de querer passar despercebido por entre uma escola inteira que esperava pelo toque de entrada. Todos falavam e riam, mas no preciso momento em que aquela miúda abre os braços e grita "olha o meu amor", fez-se um silencio profundo naquele pátio, deixando todos a olhar para mim. Oh meu Deus, porquê a mim, porquê? Fiquei corado como um tomate, normal em mim, e desejei tanto desaparecer dali...
 Aqueles olhares todos sobre mim deixaram-me em pânico, e a única coisa que consegui fazer foi desviar-me do meu amor e ir direitinho para a porta da sala esperando que ela não fosse atrás de mim.
 Por incrível que pareça, ficou chateada comigo toda a manhã, só depois de almoço, e de uma conversa seria em que eu lhe expliquei que não a tinha visto nem ouvido é que ela voltou a sorrir para mim.
 Foi a primeira namorada que apresentei a minha mãe, quando na festa de final de ano, ela me pega pela mão e me diz, "anda apresentar-me a tua mãe"... mais do mesmo, a vergonha que não pude evitar.
 No ano seguinte ela mudou de escola e eu fiquei com a única certeza possível,
 era um tótó chapado.

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