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terça-feira, março 8

Recordações pequeninas 3

 Se, nas recordações anteriores, a minha infância foi vítima das mentes maldosas que me rodeavam, nesta minha pequena recordação, fui vítima de algo mais superior, a minha própria mente.
 Sempre tive uma grande vontade de mostrar os meus dotes na cozinha, sim, sou perito no que diz respeito a andar no ambiente dos cozinhados e afins, é algo que nasce com a pessoa. E eu orgulho-me de ter este dom que, por vezes, marca muita gente, outras porém, marca-me a mim mesmo.
 Decorria o ano de 1989, mais coisa menos coisa, teria eu uns quatro anos pelas minhas contas. Os meus pais estavam de caseiros numa quinta tipicamente antiga, com uma cozinha enorme, mas de muito aconchego!
 Numa bela noite de inverno, enquanto a chuva caía lá fora e a lareira aquecia um ambiente de pura magia naquela cozinha, eu era o rei de toda aquela maravilha. O jantar decorrera normalmente, sobre uma mesa enorme em madeira, com um banco em madeira que a alcançava em todo o seu comprimento. Depois do jantar, como seria de esperar, os mais novos iriam fazer os trabalhos da escola, o meu pai ficaria na cozinha a fazer companhia à minha mãe enquanto ela lavava a louça. Isto acontecia todas as noites, até àquela noite, àquele fatídica noite em que fiquei a conhecer os dissabores da cozinha, e da minha pequena altura!
 Aquele ambiente harmonioso, talvez me tenha levado a tomar uma atitude inconsciente. Nunca fui muito bom a reflectir sobre as consequências num ambiente como aquele, e os resultados depois nunca são os que eu espero.
 Ali estava eu, no cimo dos meus 94 centímetros de altura, de peito feito, a oferecer os meus serviços na banca de lavar à minha mãe. A risada inicial desmotivou-me muito, é um facto, pois estava perante uma demonstração clara de desvalorização das minhas capacidades ainda por descobrir, por todos os presente, até mesmo por mim. No entanto, sabia que não poderia vacilar àqueles risos inconscientes. Tal foi a minha insistência, algo em que era bom enquanto miúdo, fazer birra, que a minha mãe lá me disse que sim, mas com a ajuda dela claro.
 Ao principio até estava a gostar das minhas funções, levantar a mesa e colocar a louça na banca, mas sentia no meu interior que estava a ser completamente desaproveitado daquilo que eu sabia fazer, pensava eu que sabia fazer.
 A banca, toda ela em pedra, estava a km da minha pequenina cabeça, mal conseguia olhar para dentro dela, mas isso não seria um obstáculo para mim! Num momento em que a minha mãe virou costas, para ir fazer outra coisa qualquer, eu vi logo ali o meu momento de glória! Iria lavar a louça toda e quando ela chegá-se teria tudo num brinco, daria-me os parabéns e quem sabe, a possibilidade de no dia seguinte fazer o jantar eu sozinho!
 Como já referi, a banca encontrava-se fora do meu alcance normal, mas nada que um banquinho não ajude. Lá arrastei o enorme banco de madeira  para perto da banca, coloquei uma bata da minha mãe, que me deve ter dado umas cinco voltas ao corpo, e estava pronto para o trabalho árduo.
 Subi para o banco e aproximei-me do meu paraíso, a banca cheia de louça suja pronta a ser lavada. Contas mal feitas e o banco ficou a dois palmos da banca, teria de descer e compor o meu único aliado naquela luta. Quando estava quase a descer, ouço a minha mãe entrar na cozinha. Oh não, o meu sonho iria por água abaixo, e nem sequer tinha ainda começado. Não consegui sequer chegar perto dos pratos, nem da torneira. A angustia invadiu-me de tal maneira, dando-me forças e coragem, que eu não sabia serem possíveis em mim. A minha mãe não iria terminar este meu sonho, não antes de eu tocar nos pratos ou na água!!! Estiquei-me o máximo que conseguia e, finalmente, toquei com um dedo na torneira! Momento mágico... até o banco se ter desviado debaixo dos meus pés e eu ter caído... para debaixo da banca, onde um pote em ferro esperava ansiosamente pela minha testa pequenina...
 Mais uma marca da minha infância que gosto de recordar.

4 comentários:

  1. Ogrezinho nunca medes as consequências de nada ;)...
    Gostei muito de ler esta tua aventura.

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  2. Olá Princesa,
    sim, um dos meus defeitos é não medir bem as consequências, pelo menos quando era miúdo, mas quem o faria?
    Foi um texto que me deu muito prazer de escrever, tal como todos os meus Recordações Pequeninas escritos anteriormente, por isso em breve haverá mais. :)

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  3. Realmente eras imparavel...até com os potes te metias,ja viste o resultado??Mais uma marca por seres bom menino...bem mas ao menos cresceste com o dom de cozinhar(quando te apetece)nem tudo é mau...
    Ja agora quando quiseres aparece la em casa pa fazer o jantar...

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  4. São estes pequenos encantos que nos fazem sentir felizes no nosso meio...e sentirmos, hoje, saudade da nossa infância.

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