O escuro da noite

 Sinto-me estranho esta noite, sinto que algo estará a mais nesta sala escura... ligo a luz, tentando acalmar os meus medos, mas em vão, sinto aquela presença... ligo a televisão, na esperança de encontrar o refugio daqui, mas não dá nada, apenas o ruído e o ecrã negro... desligo tudo e vou para o meu quarto, tentar descansar deste medo que me agonia a cada passo que dou.
 No corredor vejo a sombra que o meu corpo não reflecte... sinto o pânico percorrer-me a alma... viro-me com toda a coragem e força que consigo reunir em mim... nada vejo, apenas sinto o frio gelado atravessar-me o corpo, como uma faca que me retalha cada membro... tento andar o mais rápido possível até encontrar o meu quarto e poder acender a luz, mas o corredor cada vez mais longo... a porta que se afasta... as pernas que começam a tremer do esforço.. a luz que me abandonou deixando-me na escuridão... sinto-me preso a umas amarras que me vão puxando para trás.
 Vejo ao fundo o seu rosto, o seu corpo magro e curvado... veste uma camisa de noite branca com os punhos ensanguentados... o sangue que lhe corre pelos pulsos pingando na lamina de uma faca. O meu coração gela... fico imóvel olhando-a, sem ouvir nada, sem sentir o meu próprio respirar...
 Os seus olhos são brilhantes como dois diamantes... prendem-me a si. Caminha lentamente até mim sem nunca sentir o chão ou mexer os pés... As suas mãos velhas seguram-me o braço, arrastando-me para a minha cama... deita-me de peito para cima e senta-se ao meu lado...
 Não me consigo mexer, a aflição invade todo o meu corpo... a minha respiração voltou a ecoar na minha cabeça, agora ofegante... mas sinto-me preso... sem amarras, sem mãos... apenas imóvel ao lado dela...
 Cuidadosamente segura a sua faca e rasga-me a pele do pulso. A lâmina fria que me corta a pele, os dedos que começam a ficar dormentes... aquele frio de volta ao meu peito.
 Serenamente deita-se ao meu lado, fazendo-me festas no cabelo... esperando a minha companhia a seu lado.